Alguns
apontamentos a partir do curso Políticas de Acessibilidade e Direitos Humanos
Tatiana Fiori –
psicóloga do Lar Municipal São Francisco de Assis
No período de 09 a 12 de julho de 2012,
juntamente com mais três colegas de Secretaria, participei do primeiro módulo
do curso Políticas de Acessibilidade e Direitos Humanos, o qual está sendo
promovido pela Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas
para Pessoas com Deficiência e Pessoas com Altas Habilidades no Rio Grande do
Sul (Faders).
Na tarde de 12 de julho, o secretário da
Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, proferiu algumas palavras aos
participantes desse curso. Durante sua explanação, contou uma breve
“historinha”, mais ou menos assim: havia dois lenhadores que trabalhavam para
uma terceira pessoa. Durante um dia de trabalho, um dos lenhadores trabalhou
sem parar, enquanto que o outro fez diversas pausas durante o dia de trabalho.
Ao final do dia, o patrão foi verificar a produção de cada um dos lenhadores.
Para sua surpresa, o lenhador que realizou diversos intervalos havia cortado
muito mais lenha do que aquele que havia trabalhado de forma contínua. O patrão
questionou o lenhador acerca de como havia conseguido cortar mais lenha do que
o colega. A resposta foi que as paradas eram necessárias, pois o serrote
precisava ser afiado a fim de que cortasse a madeira.
Dar uma parada no trabalho cotidiano,
nas atividades rotineiras, para participar de um curso, de uma palestra, de uma
discussão, de uma reunião, de uma capacitação, de uma supervisão: são formas de
afiarmos nosso serrote. O conhecimento, a reflexão, as mudanças e ampliação de
entendimentos propiciam que nossas intervenções possam ser mais eficazes. Penso
que além das possibilidades que esse curso abre no campo das práticas
profissionais, também repercute na pessoa como cidadã.
Será que sempre respeitamos as vagas
destinadas a pessoas com deficiência e idosos nos shoppings e ruas das cidades?
Será que respeitamos os assentos destinados a idosos e pessoas com deficiência
nos transportes públicos? Muitos respeitam. Mas outros, não. Alguns até
respeitam, mas se sentem incomodados, quem sabe até injustiçados. Aceitar e
entender a necessidade de preferência devido a especificidades de uma pessoa
não é tarefa fácil, afinal é muito comum pensarmos no EU em primeiro lugar.
De acordo com o Censo de 2010 (IBGE),
aproximadamente 24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Uma
questão levantada durante o curso foi: “Onde estão essas pessoas? Estão nos
parques, cinemas, shoppings, teatros?”. É muita gente, mas não as encontramos
no dia-a-dia. Por quê? Diversas são as explicações para que isso ocorra, então
escolho três situações para se pensar.
Há pouco menos de 1 ano, fui pela
primeira vez ao Cinema juntamente com pessoas cadeirantes ou que necessitavam
utilizar cadeiras de rodas devido à mobilidade reduzida. Não sei precisar se,
antes desse dia, eu tinha conhecimento que naquela sala de cinema (a qual eu já
havia estado inúmeras vezes) o lugar que eu considerava o pior (a primeira
fileira) era o destinado a pessoas em cadeirantes de rodas. Qual lugar
simbólico e concreto estão colocadas as pessoas com suas cadeiras de rodas?
Alguém já teve a experiência de visitar
o Zoológico de Sapucaia do Sul com pessoas em cadeiras de rodas e idosos? Ao
final do passeio, brincávamos que naquele dia não seria necessário irmos à
Academia de Ginástica, pois já havíamos “malhado”, ou seja, passamos por um
grande esforço físico empurrando as cadeiras de rodas. Os trabalhadores do Zoológico,
assim como sua Direção, nos acolheu e nos auxiliou significativamente. Mas e
quanto à acessibilidade? Quando essa inexiste, se impossibilita (ou pelo menos
se obstaculiza) que algumas pessoas acessem aos bens que deveriam estar
realmente disponíveis a todos. Como disse Marcos Rolim, na Conferência de
abertura do curso, temos, então, um corpo com limitações e uma sociedade
deficiente para inseri-lo. E muitas das pessoas que têm corpos com limitações
com os quais trabalho no dia-a-dia querem estar incluídos nos espaços sociais,
tanto que, nos dias seguintes a esse passeio, explicitaram o desejo de um novo
passeio ao Zôo.
Há algum tempo atrás, questionei um
funcionário do Lar São Francisco sobre o porquê determinado idoso era conduzido
ao seu quarto logo após a janta (a qual é servida às 17h30). A resposta que me
foi dada foi algo assim: mas o que ele vai ficar fazendo, sem enxergar (o
senhor em questão é deficiente visual). Como assim? Não existem possibilidades
de existência para os cegos? E se ele fosse cadeirante? E se fosse surdo?
Também se entenderia como limitações impossibilitadoras de inclusão.
Nessas situações apresentadas, nota-se
as dificuldades existentes para a real inclusão das pessoas com deficiências, e
também os idosos, à vida social: barreiras físicas, arquitetônicas, barreiras
de pensamento... Não se modificam modos de pensar e de agir culturalmente
enraizados de forma rápida. Mas proponho que esse breve escrito propicie o
início de uma reflexão acerca da Acessibilidade e Direitos Humanos e como nos
relacionamos a essa temática.